Imagine a cena: uma árvore frutífera do seu vizinho estende seus galhos sobre o seu terreno, e de repente, várias frutas caem em seu quintal. A quem elas pertencem? A você ou ao dono da árvore? O que a lei diz sobre isso? Situações como essa são mais comuns do que se imagina e, embora pareçam pequenas, podem gerar grandes desavenças. O Código Civil brasileiro, reconhecendo a importância do tema, dedica artigos específicos para solucionar essas questões de forma clara e justa. A seguir, exploramos o que a legislação brasileira estabelece sobre os direitos e deveres dos vizinhos, abordando desde a propriedade dos frutos caídos até o direito de cortar galhos invasores, sempre com o objetivo de promover a boa convivência e evitar conflitos desnecessários.
Caso prefira, abaixo há um vídeo explicando tudo o que você precisa saber sobre esse assunto:
1. A quem pertencem as frutas que caem da árvore do vizinho no meu terreno?
Conforme o artigo 1.284 do Código Civil, as frutas que caem de uma árvore do terreno vizinho e vão parar em sua propriedade, desde que a queda ocorra de forma natural, passam a pertencer a você, que é o dono do solo onde elas caíram. A lei é bastante clara a esse respeito e não considera a origem da árvore ou o dono da propriedade onde ela está plantada. O que determina a posse da fruta é o local onde ela se desprende e toca o solo. Isso significa que, se as frutas caem por ação do tempo, vento, gravidade ou amadurecimento natural, o proprietário do terreno invadido tem o direito de ficar com elas.
2. Qual a diferença entre a queda natural da fruta e a colheita?
A diferença é crucial e está diretamente ligada à legalidade da posse. A queda natural ocorre quando a fruta se desprende da árvore por si mesma, seja por amadurecimento, vento, ou qualquer outra ação da natureza. Neste caso, o texto legal garante que o dono do terreno onde a fruta caiu pode ficar com ela. Já a colheita é uma ação humana deliberada para retirar a fruta da árvore. Se alguém, incluindo o dono da árvore, colhe a fruta diretamente do galho que invadiu o terreno vizinho, isso pode ser considerado um ato de furto, um crime previsto no artigo 155 do Código Penal. A colheita viola o direito de propriedade do dono da árvore, que detém a posse sobre os frutos enquanto eles estão presos aos galhos.
3. O proprietário da árvore pode entrar no meu terreno para pegar as frutas que caíram?
Não. Mesmo que a fruta tenha caído no seu terreno por ação dele, ele não pode simplesmente entrar na sua propriedade para recuperá-la. Essa atitude é considerada uma violação de domicílio, um crime previsto no artigo 150 do Código Penal. O direito à propriedade, garantido ao dono da árvore, não lhe confere o direito de invadir o terreno alheio sem permissão. O dono da propriedade invadida pode registrar um boletim de ocorrência e, se necessário, tomar medidas judiciais. O direito de reaver um bem não se sobrepõe ao direito de inviolabilidade do domicílio alheio. O dono da árvore deve sempre buscar uma autorização prévia ou um acordo com o vizinho para entrar na propriedade.
4. O que é o “direito de gozar” ou “fruição” de uma propriedade?
O “direito de gozar”, também conhecido como direito de fruição, é uma das faculdades mais importantes do direito de propriedade, conforme o artigo 1.228 do Código Civil. Ele se refere à capacidade do proprietário de colher os frutos e benefícios gerados por sua propriedade. Exemplos incluem os aluguéis de um imóvel, os produtos de uma fazenda, ou, no caso do texto, as frutas que nascem em uma árvore. Esse direito de fruição se mantém enquanto a fruta está ligada à árvore no terreno do proprietário. No entanto, quando o fruto se desprende e cai em outro terreno, ele deixa de ser um “fruto da propriedade” do dono da árvore e passa a ser uma nova posse, agora pertencente ao dono do solo onde caiu.
5. Posso cortar os galhos da árvore do meu vizinho que invadem meu terreno?
Sim, você pode. O artigo 1.283 do Código Civil autoriza o proprietário do terreno invadido a cortar os galhos ou raízes de uma árvore vizinha que ultrapassem o limite de sua propriedade, mas apenas até o plano vertical divisório. Contudo, a lei sugere que a pessoa que se sente prejudicada deve agir com bom senso e, idealmente, tentar o diálogo antes de cortar os galhos. O ideal é notificar o vizinho, dando um prazo razoável (por exemplo, cinco dias) para que ele mesmo realize o corte. O corte deve ser proporcional, sem causar danos desnecessários à árvore. O objetivo é apenas impedir a invasão do espaço aéreo ou subterrâneo de sua propriedade, e não prejudicar o bem do vizinho.
6. E se a árvore estiver plantada na linha divisória entre os dois terrenos?
Se o tronco da árvore estiver na linha divisória entre as duas propriedades, a lei, no artigo 1.282 do Código Civil, presume que a árvore pertence em comum aos dois vizinhos. Ambos são considerados coproprietários. Isso significa que a decisão de cortar a árvore, os cuidados com ela e a destinação de seus frutos devem ser tomados em comum acordo. Nenhum dos vizinhos pode tomar decisões unilaterais sobre a árvore. Os frutos colhidos também devem ser divididos entre os dois. Essa regra visa garantir o equilíbrio e o bom relacionamento entre os proprietários, evitando que um aja de forma a prejudicar o direito do outro.
7. Se meu vizinho invadir meu terreno para pegar as frutas que ele mesmo derrubou, o que acontece?
A invasão é uma violação de domicílio, conforme o artigo 150 do Código Penal. Embora o vizinho possa argumentar que a fruta foi derrubada por ele e, portanto, ainda é sua, o ato de entrar sem permissão na propriedade alheia é ilegal. O dono do terreno pode registrar um boletim de ocorrência e, dependendo da situação, tomar medidas legais. Vale ressaltar que a situação é ainda mais grave se ele entrar na sua propriedade para pegar frutas que já haviam caído naturalmente. Nesse caso, ele estaria cometendo tanto a violação de domicílio quanto o crime de furto, pois as frutas que caíram naturalmente já haviam mudado de proprietário, passando a pertencer a você.
8. A briga por causa de galhos de árvores é algo comum no Brasil? O Código Civil tem artigos específicos sobre isso?
Sim, esse tipo de situação é bastante comum e foi por isso que o Código Civil dedicou artigos específicos para tratar das relações entre vizinhos. Conflitos envolvendo galhos e raízes de árvores são frequentes, e o ordenamento jurídico brasileiro, reconhecendo a importância de regulamentar as relações de vizinhança, estabeleceu regras claras para evitar ou resolver disputas. Os artigos 1.282, 1.283 e 1.284 do Código Civil tratam da questão de forma detalhada, abrangendo desde a propriedade dos frutos caídos até o direito de cortar galhos invasores. Essa regulamentação legal serve como uma base para resolver conflitos e promover a boa convivência entre vizinhos.
9. O que a lei considera um “furto” no contexto de frutas de árvores de vizinhos?
A lei considera furto a ação de subtrair, para si ou para outra pessoa, uma coisa móvel que pertence a outra pessoa. No contexto de árvores de vizinhos, o furto acontece quando alguém colhe frutas diretamente da árvore que pertence a um vizinho, mesmo que os galhos estejam em seu terreno. Isso ocorre porque, enquanto as frutas estão penduradas na árvore, elas são consideradas bens do proprietário do solo onde a árvore está plantada. O ato de retirá-las sem autorização configura uma violação do direito de propriedade, caracterizando o furto. A pena para esse crime é de reclusão de um a quatro anos e multa.
10. A melhor forma de resolver esses conflitos é sempre pela via judicial?
Não, a via judicial deve ser a última opção. A melhor saída para resolver conflitos de vizinhança é sempre o diálogo e o bom senso. Embora a lei forneça um guia claro sobre os direitos e deveres de cada proprietário, a conversa e o acordo mútuo podem evitar disputas desgastantes e o desgaste da relação. Se você não gosta das frutas que caem ou da sujeira que elas fazem, é aconselhável conversar com o vizinho, explicar a situação e, talvez, sugerir um acordo, como permitir que ele colete as frutas ou que ele mesmo realize o corte dos galhos. O bom relacionamento e a civilidade são sempre preferíveis a uma briga judicial.