A cobrança de aluguel em atraso é uma situação recorrente no mercado imobiliário. Entretanto, o avanço das redes sociais trouxe novos desafios às relações entre locadores e inquilinos. Um caso recente em Belo Horizonte ilustrou os limites da cobrança pública, resultando na condenação do proprietário ao pagamento de indenização por danos morais. Esse episódio reforça a importância de seguir os meios legais de cobrança e serve de alerta para todos os envolvidos em contratos de locação.
Abaixo há um vídeo sobre esse assunto, assista caso não queria ler o texto:
O caso: exposição em redes sociais e dano moral
Carlos, locador de um apartamento, alugou o imóvel para Joana e seu marido. Após três meses de adimplência, o casal deixou de pagar o aluguel. Diante da frustração, Carlos decidiu expor a situação em suas redes sociais. Ele publicou prints de conversas privadas, fotos dos inquilinos e comentários ofensivos, marcando-os diretamente nas postagens.
A exposição causou constrangimento público. Joana estava grávida, enquanto seu marido havia sofrido um acidente de trabalho. A repercussão nas redes sociais trouxe prejuízos à imagem do casal e dificultou sua busca por nova moradia. Diante disso, os inquilinos ajuizaram ação por danos morais contra o locador.
O juiz analisou a conduta de Carlos e concluiu que a postagem configurou ato ilícito, conforme o artigo 186 do Código Civil, que dispõe:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
O magistrado reconheceu que a divulgação pública da dívida, associada a ofensas pessoais, ultrapassou o limite do direito de cobrança. Carlos foi condenado a indenizar Joana em quatro mil reais por danos morais, valor superior ao débito locatício.
Análise jurídica do dano moral
Para a caracterização do dano moral, a jurisprudência exige a presença de quatro elementos:
Ato ilícito
A exposição nas redes sociais violou o direito à honra e à dignidade, assegurados pela Constituição Federal, artigo 5º, inciso X:
“Art. 5º, X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
Dano
A humilhação e o constrangimento público geraram abalo psicológico comprovado nos autos, especialmente considerando o estado gestacional de Joana e a condição de saúde de seu marido.
Nexo causal
O juiz identificou a relação direta entre as publicações de Carlos e os prejuízos emocionais e sociais sofridos pelos inquilinos.
Culpa ou dolo
A intenção de expor os inquilinos foi evidente nas postagens. O juiz reconheceu o dolo de causar constrangimento.
Com todos os requisitos preenchidos, restou configurado o dano moral, conforme previsto no artigo 927 do Código Civil:
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Implicações legais para locadores
O caso evidencia que a cobrança de dívidas deve respeitar limites legais. A legislação assegura ao credor meios próprios para reaver valores devidos. O Código de Processo Civil prevê a ação de cobrança e a execução de título extrajudicial, conforme o artigo 784, inciso VIII:
“Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais: (…) VIII – o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio.”
Assim, o locador pode ingressar com ação judicial para exigir o pagamento do aluguel, sem recorrer a práticas vexatórias. A exposição pública, além de ilícita, gera passivos financeiros que superam o valor da dívida.
Além disso, a Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991) regula o procedimento de despejo por falta de pagamento. O artigo 9º, inciso III, dispõe:
“Art. 9º A locação também poderá ser desfeita: (…) III – em decorrência da falta de pagamento do aluguel e demais encargos.”
Portanto, o caminho correto para o locador é ajuizar ação de despejo cumulada com cobrança, garantindo seus direitos sem ferir a dignidade do inquilino.
Direitos dos inquilinos diante da exposição vexatória
O inquilino exposto publicamente pode buscar reparação judicial por danos morais, como ocorreu no caso analisado. A Constituição Federal protege a honra e a imagem. O Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor também oferecem respaldo.
O artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor estabelece:
“Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.”
Esse dispositivo se aplica à relação locatícia quando o locador age como fornecedor de serviços, especialmente em casos de locações residenciais com fins econômicos. Assim, práticas abusivas configuram violação direta à legislação consumerista.
O inquilino lesado deve reunir provas das ofensas, como prints das postagens e testemunhas, e ingressar com ação judicial. A indenização por danos morais tem caráter compensatório e pedagógico, desestimulando novas condutas abusivas.
Reflexos sociais e digitais do caso
A digitalização ampliou o alcance das cobranças vexatórias. Uma publicação em rede social pode ser compartilhada centenas de vezes, gerando constrangimento em escala ampliada. Isso torna a reparação judicial ainda mais necessária.
Além disso, a exposição pode afetar a reputação do próprio locador. Proprietários que recorrem a meios ilegais de cobrança podem ser vistos como abusivos, dificultando futuras locações e prejudicando sua imagem no mercado imobiliário.
Melhores práticas de cobrança
Para evitar riscos, o locador deve adotar medidas legais desde o primeiro atraso. O envio de notificação extrajudicial formaliza a cobrança e pode resolver a inadimplência sem judicialização. Caso persista, a ação de cobrança ou a execução do contrato de locação é a via adequada.
É fundamental que o locador mantenha postura profissional e respeitosa em todas as interações. O cumprimento da lei protege o patrimônio, preserva a imagem e evita indenizações.
Conclusão
O caso de Belo Horizonte reforça que o direito de cobrança não autoriza a exposição pública do devedor. O uso inadequado das redes sociais pode gerar condenações superiores ao valor do débito. Locadores devem recorrer exclusivamente aos meios legais previstos na legislação. Inquilinos, por sua vez, podem buscar reparação quando submetidos a constrangimentos.
A proteção da dignidade humana, assegurada pela Constituição, deve orientar todas as relações contratuais. O respeito à lei é o caminho mais seguro e eficaz para resolver conflitos locatícios.