Pensão Alimentícia In Natura
No contexto das relações familiares e das obrigações alimentares, o ordenamento jurídico brasileiro oferece uma gama de instrumentos voltados à efetivação do dever de prestar alimentos. Em regra, a obrigação alimentar é satisfeita mediante o pagamento de quantia em dinheiro. Mas é igualmente possível que essa obrigação se materialize de forma diversa, por meio da chamada pensão alimentícia in natura. Trata-se de modalidade que merece análise acurada, principalmente considerando os contornos da legislação vigente, a interpretação dos tribunais e a doutrina dominante.
O termo pensão in natura designa a prestação de alimentos realizada por meio do fornecimento direto de bens ou serviços necessários à subsistência do alimentando, ao invés do repasse em pecúnia. Exemplos típicos dessa modalidade são o custeio direto de despesas com moradia, alimentação, educação, vestuário e saúde, arcadas diretamente pelo alimentante.
Fundamento Legal da Prestação Alimentar
Antes de adentrar nas especificidades da pensão in natura, é imprescindível recordar que a obrigação alimentar está prevista de forma genérica no Código Civil, em especial nos artigos 1.694 a 1.710, e de maneira reforçada no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/1990) e na Lei n.º 5.478/1968, que trata da Ação de Alimentos.
Nos termos do artigo 1.694 do Código Civil:
“Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.”
Já o artigo 1.695 complementa:
“São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.”
Esses dispositivos deixam clara a base obrigacional da prestação alimentar, fundada no binômio necessidade-possibilidade, que rege toda a matéria.
A Pensão In Natura e sua Conformidade Legal
Embora o Código Civil não mencione expressamente a expressão “pensão in natura”, a prática é reconhecida e admitida na jurisprudência pátria, desde que observadas certas condições. A prestação de alimentos in natura se caracteriza pela satisfação direta das necessidades do alimentando, e não pelo repasse financeiro puro e simples.
O Superior Tribunal de Justiça já enfrentou a matéria em diversos julgados. Ele entende que a prestação in natura não exime o devedor da responsabilidade alimentar, desde que reste comprovado que tal prestação efetivamente atende às necessidades do alimentando.
Cumpre destacar, por exemplo, o julgamento do Recurso Especial n.º 1.537.956/SP, no qual se assentou que:
“A prestação in natura, consubstanciada na oferta direta de bens ou serviços necessários à mantença do alimentando, poderá, a depender das peculiaridades do caso concreto, ser considerada como adimplemento da obrigação alimentar.”
Contudo, a adoção da modalidade in natura não é automática nem discricionária pelo alimentante. Ela exige, em regra, homologação judicial ou acordo entre as partes, a fim de garantir a eficácia da medida e a proteção dos direitos do alimentando. Sobretudo se este for absolutamente incapaz, como ocorre nos casos envolvendo menores.
Limites e Riscos da Pensão In Natura
É preciso compreender que a pensão in natura não pode implicar prejuízo à dignidade do alimentando nem restringir a liberdade de seu responsável legal. Isso porque, em muitos casos, a prestação direta de alimentos ocorre em litígios familiares. Nesses contextos, o alimentante tenta o pagamento in natura. O objetivo é manter controle sobre o ex-cônjuge ou guardião do menor. Essa tentativa também visa restringir a autonomia deles.
Tal comportamento é vedado pelo ordenamento jurídico. O valor da pensão concede liberdade ao responsável legal. Ele pode decidir sobre o uso dos recursos com autonomia. Essa decisão sempre visa o melhor interesse do menor. Isso é o que preconiza o artigo 227 da Constituição Federal:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”
Assim, o julgador deve analisar cuidadosamente a prestação in natura. Ela não pode se tornar coação. Também não deve ser ingerência indevida. O objetivo é proteger a administração dos recursos do alimentando.
Requisitos para Validade e Efetividade
Para que a pensão in natura seja admitida, é fundamental que:
- Haja acordo entre as partes, homologado judicialmente, ou determinação expressa do juízo competente, sempre em observância ao melhor interesse do alimentando.
- Seja demonstrado que a prestação direta satisfaz integralmente as necessidades do alimentando, não podendo haver lacunas que prejudiquem seu sustento ou bem-estar.
- Não haja utilização da prestação como meio de constrangimento ou controle sobre o alimentando ou seu responsável legal, preservando-se a autonomia da administração dos recursos.
Em se tratando de alimentos destinados a crianças e adolescentes, a análise judicial é ainda mais rigorosa, ante a prevalência do princípio da proteção integral e prioritária do menor.
Conclusão
A pensão alimentícia in natura é, sem dúvida, um mecanismo legítimo. Ela serve para cumprir a obrigação alimentar, desde que se observem parâmetros legais e jurisprudenciais. Esses parâmetros garantem a efetividade da medida. Embora a legislação não a trate de forma expressa, a interpretação sistemática do Código Civil a admite. Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente também a considera. A Constituição Federal, por sua vez, revela sua admissibilidade. Isso ocorre especialmente quando é mais benéfica ao alimentando.
Cumpre ao operador do Direito, todavia, zelar para que sua aplicação não se torne instrumento de violação de direitos fundamentais ou de perpetuação de conflitos familiares, circunstância que demandaria a intervenção judicial para restabelecimento da legalidade e da proteção devida ao alimentando.
Por fim, em respeito ao dever ético de clareza e orientação do cidadão leigo, é sempre recomendável que as partes envolvidas na relação alimentar busquem orientação jurídica especializada, garantindo que as particularidades de cada situação sejam corretamente consideradas e que o direito fundamental à subsistência seja plenamente respeitado.
Caso precise de auxílio para requerer ou defender seus direitos, consulte um advogado especializado em direito de família.
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